domingo, 31 de outubro de 2010

Desorquestra.


Ser mesário não serve de muita coisa. Serve, e aí sim, como uma espécie de atestado. Não de um dia inteiro de trabalho cívico forçado, não, imagina -- que limpar as ruas de São Paulo tem mais civilismo embutido do que trabalhar em uma eleição coercitivamente. O atestado que se recebe ao final de um dia inteiro de trabalho eleitoral é um atestado de estabano. Estabano do Brasil. 

Afora os candidatos, dos quais já se espera malandragens, melindragens e estabanos homéricos durante o período eleitoral, todo o resto em volta, no dia D, também se afina desafinando, numa sinfonia do desajeito. A começar pelos mesários. Estouvados, eles chegam, em sua grande maioria, atrasados, sem café da manhã e com cara de o que eu foi que eu fiz para merecer isso. Desde o primeiro momento, portanto, numa grande harmonia, ainda que completamente desarmônica. Ninguém sabe por onde começar a procurar o nome do seu Waldemar, com W, e acabam mandando a Dona Sylvia, com Y, assinar no lugar da Sônia Maria, que quando chega, fica uma fera. Erram o picote do comprovante de votação do Thiago, rasgado ao meio, desculpa, Thiago, acontece, e fazem a mesma coisa com o Roberto. Não viram que a dona Zélia, de 1923, saiu da seção, sem terminar de votar, para tomar um cafezinho e mandar polir a bengala que a loja já estava fechando. E agora? Vota por ela, não, anula, não, corre atrás da Dona Zélia, que ela é velha e não pode ter ido longe! Ao final, rasuram a ata e vão embora dando graças a Deus pai que o dia acabou.

Obviamente, os mesários-desorquestrantes, sozinhos, não fazem sinfonia alguma. Para completar o desarranjo, nada melhor que os próprios eleitores, os instrumentos musicais. Um fora do tom, o outro sem corda, mas todos mais desafinados que a Vanuza no episódio do Hino Nacional. E aí, o desastre. O João apareceu sem documento nenhum. A Joana esqueceu o número do candidato dela, mas eu lembro o número do que eu não quero votar. E do que adianta, Joana? O Rodrigo queria saber se podia votar pela mãe, que estava no Guarujá, Seu Clóvis não sabia que estava com o título cancelado e o Ronaldo, ele achou que dava para votar só com a sigla do partido. A Tânia perguntou três vezes a diferença entre votar branco e nulo, e acabou que saiu sem votar, e o Dr. Sérgio disse que iria votar em branco, porque o meu voto não faz diferença e o povo sempre escolhe o melhor. E todos eles achavam que a urna era de tecnologia touchscreen. Que aquele exagero de CONFIRMA, todo de verde e letras maiúsculas, de certo, era só para chamar atenção da criançada votante.

Mas a desorquestra só está mesmo completa quando chegam os fiscais-ambulantes. Numa quase-vigilância sem nenhum sentido, ameaçaram até o coitado do Alexandre, primeiro secretário da seção especial, que, para evitar a fila colossal que se formava na porta e, com ela, a fúria dos idosos do bairro, ajudou uma quase-surda-toda-muda a votar. Aperta o número de dois dígitos, Dona Sandra, e depois o botão verde. Isso. O verde. Ver-de. Disse que vai propor ação penal pública incondicionada contra o Alê, por tentar votar em lugar de outrem. Você já pensou em ser advogado, Seu Fiscal? E surdo-mudo? Aposto que não.

E assim o dia seguiu, engatinhando, em um quase que rito trágico-cômico, que, me parece, nasceu para ser formalmente útil e acabou orgiásticamente desorganizado. Como todo o mais nesse Brasil brasileiro.

No mais, trabalhar nessas eleições presidenciais foi piada pronta, a começar pela candidata à marionete travesti. Ou travesti marionete, tanto faz.

A verdade é que o domingo do dia 31 de outubro de 2010 foi uma festa. A festa da democracia do menos pior. E teve música e tudo. A desorquestra. Uma grande sinfonia do país mais desajeitado desse mundo.

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