segunda-feira, 26 de março de 2012

Mein Kony: a bolha ocidental e uma África quase que mitológica.




Disclaimer: Calma. Esse não é mais um post sobre Joseph Kony.


Adolf Hitler, da Alemanha de 1930, memorável líder do Partido Nacional-Socialista e, mais importante que isso, pai célebre das mais loucas teses racistas e anti-semitas desse nosso mundo, é, até hoje, sinônimo de crueldade e guerra. Todos sabem que o Senhor Bigode Macabro perseguiu e matou milhares de judeus, ciganos, homossexuais, eslavos, poloneses, deficientes físicos e mentais, entre outras minorias, a fim de alcançar um objetivo tão sensato quanto o seu bigode: fazer com que a raça ariana dominasse o mundo. O pecado contra o sangue e a raça é o pecado original deste mundo e o fim da humanidade que o comete. As causas exclusivas da decadência de antigas civilizações são a mistura de sangue e o rebaixamento do nível da raça. Todo o que, no mundo, não é raça boa, é joio. E tudo isso num só parágrafo daquele livro satânico que o bigode alemão escreveu, metonímicamente, para a imortalização da loucura do seu dono, e que vendeu, à época, milhares e milhares de exemplares. Um amigo meu me disse que sabe, até que é compreensível, em alemão soa muito mais bonito. É, só pode. 

Centenas de filmes, documentários, museus e mostras depois, a humanidade teve o suficiente de Holocausto e do bigode do Hitler. Já foi. Página virada. Passou.

Nem tanto. Passados mais de 80 anos, o mundo vive coisas piores. Substancialmente piores. Piores porque não estão escritas sedutoramente em alemão e principalmente porque estamos no século XXI. O racional é o de que as pessoas tivessem evoluído escalonadamente, e, com elas, todo o resto, nessa grande era das transformações tecnocratas. A dinâmica política, midiática. O entrosamento dos governos, os jogos de interesses. O envolvimento dos civis. O modo de se fazer revolução. A globalização deveria contar única e exclusivamente ao nosso favor, em tudo e cada coisa. Mas não.

No final dos anos 80, Joseph Kony se fez chefe celestial de uma guerrilha, e, desde então, sequestra milhares de crianças e mata outros milhares de pessoas na África, com o único e singular propósito de estabelecer um governo teocrático na Uganda. O chefe do Exército de Resistência do Senhor - (o nome fica ainda mais ridículo em português, quem sabe, em alemão faça algum sentido) - se diz representante do pai lá de cima e possuído por mais de dez espíritos que o guiam na liderança da LRA e na luta pelo poder. Comparativamente, a tese da raça pura do bigode é uma pérola científica.

Acontece que, apesar de o negão vir fazendo a mágica dele por mais de 30 anos, só virou assunto mundial no início desse ano, quando a Invisible Children lançou aquele vídeo melodramático com a idéia de transformá-lo num astro de Hollywood. Não vem ao causo, mas dizem as más línguas que, no ano passado, a ONG gastou 32% do orçamento de 9 milhas em programas na África, e o resto em salários e produção de filmes. Será que filmaram uma trilogia? Kony, o pai de santo genocida. Eu assistiria. As piores línguas dizem ainda que a Invisible Children apoia intervenções de milícias ugandenses, que, pode-se dizer, não são exatamente os good guys quando o assunto é tortura. E a verdade é que nada disso importa.

Com o que a Invisible Children fecha o caixa no fim do dia ou o que o Obama realmente pretende mandando apoio militar americano para Campala não faz a mínima diferença para esse post, e, me arrisco dizer, para a captura do Netinho de Paula assassino. E ouso empregar a famosa Teoria do Objetivo, criada pelo meu tataravô em 1876, sem entrar nos pormenores da extensa convenção escrita que explica cientificamente a tese. De resumo, o que da Teoria se aplica aqui é a conclusão de que o que importa é o resultado final, independentemente dos entremeios que levaram até ele. E aí que os malucos da Invisible Children conseguiram fazer o que as mídias todas e os governos juntos não conseguiram. O envolvimento dos bonecos espectadores. Como nós e a minha avó Olga no holocausto pré guerra. Pronto. Ponto.

Pois que a volta do blog vai dedicada à verdade, à dura verdade. Essa aí, de que passamos mais tempo no facebook e planejando o próximo corte de cabelo do que lendo as notícias relevantes desse mundo vasto mundo, do que sendo relevantes. A de que passamos muito mais tempo preocupados com a sujeira do papel de parede do living, com as pulgas dos nossos cães, com os duros afazeres diários. Que nem os alemães e o resto do mundo em 1939.

Não. Não quero que ninguém vista a farda camuflada e vá até o Congo, a não ser que tenha a milícia por sonho antigo, de criança. Aí, por mim, tudo bem. Caso contrário, o apelo é outro, muito menos megalomaníaco.

É Ler. Doar 15 doletas por mês para a Invisible Children. Criticar o vídeo clichê no mais belo estilo We are the world produzido pela Invisible Children. Escrever. Pintar. Sentar numa mesa de bar e falar da história da Uganda e da baita régua que as potências coloniais européias passaram na África durante aquele lixo de Conferência. Dar opinião. Voltar para a mesa de bar e falar da régua que passaram no Sudão, de novo, em 2011. 

No fim, a sugestão, babaca ou não, é só uma. Que todo mundo durma e acorde sabendo. Sabendo que um ditador africano rapta e transforma crianças em escravos sexuais e de guerra na Uganda. Que o governo islâmico do Cartum faz uma limpeza étnica nos Montes Nuba. Que albinos são mortos para que partes dos seus corpos sejam comercializadas no Burundi. Que a mutilação genital das meninas é norma entre a etnia majoritária do Quênia. Que familiares torturam e matam suas crianças, acusadas de possessão demoníaca, na África Austral. 

Hoje. Não há 80 anos atrás. Em português, inglês, francês, em vários dialetos, não só em alemão. Aqui, no Planeta Terra. Não em Mercúrio.