sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Teoria dos Patins.



Descobri, esses dias, o quanto sou ruim de contas. Na verdade, que eu era ruim, eu já sabia. Descobri, e aí sim, o muito que vem na frente. Uma taboadinha justa, um juros simples, vá lá. Nos bons dias, um composto, uma dízima e, quem sabe, uma ou outra divisão mais arriscada. Nos demais, é sempre conta de padeiro. Corto tudo o que vem depois da primeira vírgula, e avante!, que o importante é chegar em um número final qualquer que me sirva de referência -- ainda que indigno de respeito pela falta de precisão.

A tal da conta de padaria nunca chegou a me incomodar, não. Mas, na semana passada, o cenário mudou. Digamos que a farinha brigou com o padeiro, e, pela primeira vez na vida, precisei da terceira casa ao meu favor. E aí, bom, aí o bicho pegou.

Apavorei. Bolei saídas mirabolantes. De me inscrever para o próximo vestibular de contabilidade que surgisse, de comprar uma HP 12C Platinum no Mercado Livre, de começar a estudar todas aquelas lições de matemática financeira one-o-one da Camila depois do trabalho. Por dias dormi pensando nas próximas contas que apareceriam para me enfrentar. Porque elas viriam, sem sombra de dúvida. [Na primeira noite, sonhei - pela falta de um verbo para quando se tem um pesadelo - com o Delúbio Soares, planilhando, como um pianista em um concerto, pagamentos-falcatruas. E eu do lado, aprendiz de tesoureiro].

Resolvi um monte de coisas, durante os dias dessas noites. Que nunca mais faria contas como de costume, que usaria sempre as casas centesimais que aparecessem pela frente, que dominaria o Excel como se fosse uma arte marcial chinesa dessas de filme, que se aprende devagar e a duras penas, e que nunca, nunca mais, ousaria fazer tabelas no Word. Que a era dos números haveria de dominar a minha vidinha medíocre de livros de gramática e literatura brasileira.

E foi aí que me veio aquela onda de verdade crua, que afoga e depois desafoga. A famosa onda de resignação. Achei que podia ser preguiça, Anna, você está tentando escapar, ecoei para mim, repreensiva. Fui pesquisar. Psicoanaliticamente, a resignação é freqüentemente aconselhada quando uma situação é tanto ruim quanto imutável. E não é que, preguiça de lado, era quase que o meu caso com a matemática intermediária?

E por mais ridículo que pareça, uma das cinco acepções de resignação do Michaelis (mais precisamente a quarta, 4. sujeição paciente às amarguras da vida), me fez aceitar minha limitação numérico-decimal. Não é drama, não. E também não é que eu não tenha que aprender mais nada, matematicamente falando. Acontece que, naquele dia, e por causa da bendita casa centesimal que tinha me ferrado há uma semana, resolvi tentar aprender a aceitar que têm coisas que eu não sei fazer bem, que os outros sabem melhor do que eu. Não vou listar, que é sacanagem. Tem coisa pra chuchu. E também não vou dizer que o certo, antes mesmo de tentar aprender algo novo, diferente, é desistir. O difícil é encontrar o limite. O limite que mais hora menos hora te cutuca e diz, baixinho, tentou o suficiente, colega, não deu, abraço. Lembrei até de um conhecido, coitado, que tentou, por três anos a fio, aprender a tocar bateria. Começou como canhoto que é, e, depois de um ano de aulas periódicas, o professor mandou um vamos tentar como destro, Tito? Pois é difícil, isso. De saber reconhecer as próprias limitações, na hora certa. Se o Tito tivesse aprendido a lição, tinha, com ano e meio, mudado para o violão. Ou para o judô. Acho que depende do quão ruim na batera o Tito era.

O importante é que lembrei da história do Tito, das baquetas descoordenadamente irresignadas, e decidi ser diferente. Especificamente, entender que os números são, de fato, uma limitação minha, como a dificuldade com o nado borboleta e o repudio às bicicletas e aos patins. E genericamente, aprender a abrir mão, aceitar que não rolou, mas que, paciência, tentei.

Abri mão da HP como abri mão, há dez anos atrás, daqueles patins cor-de-rosa da Barbie Fotógrafa. Na época, troquei os patins por livros do Sabino. Agora, vou ter de achar um substituto à altura da matemática financeira. Estou pensando em outros livros, maiores, mais complexos, em outra língua, talvez. Que de números, me bastam os das páginas.

2 comentários:

  1. Annita, qual foi a conta da padaria que deu problema aí? Eu te empresto R$0,13. No mais, divisão do trabalho rules. Faça o que sabe fazer melhor; cobre por isso; e compre todo o resto.
    (depois me conta a emoção de ver um comentário ao seu post!)

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  2. O pãozinho já está mais caro, colega, e fica ainda mais quando não se sabe somar. Pois que ou eu compro calculadora ou contrato um somador profissional. Um ou outro, triste demais. O bom mesmo é dominar. (A Mari e a Si já me deram a emoção antes. Sempre nice, however). Beijos.

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