quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O Paul, que um dia foi.




Está todo mundo sabendo que o Paul McCartney vem para o Brasil. Fiquei sabendo, eu também, há algumas semanas atrás. Confesso que, a princípio, achei legal. Pensei até em comprar ingressos para dar de presente para o meu pai, que faz aniversário em novembro. Confesso também que, depois de alguns dias de, vira e mexe, pensar sobre o assunto, numa tentativa quase que impossível de avaliar o quão satisfatório seria o presente, cheguei à triste e inevitável conclusão: o Paul não é mais bacana. Bacana no sentido lato, eu digo. Pode até parecer, de certo ângulo, ou de quase todos, uma conclusão um tanto preconceituosa. O cara está velho, Anna, mas e daí? Retrucou um amigo meu, beatlemaníaco. E olha que eu também sou, mas já deu, colega. Foi o que eu disse na hora, repito aqui e, pelo bem dessa amizade, tentarei explicar melhor, sem empregar, uma vez sequer, a palavra idoso, ou qualquer sinônimo que lhe faça as vezes.
 
O Paul é de 1942. Entrou nos Beatles em 60. Cantou, compôs, tocou baixo, guitarra, piano, teclado. Multi-instrumentalista, pois então. Teve 29 composições no primeiro lugar das paradas de sucesso. Já foi eleito, inumeráveis vezes, melhor cantor de todos os tempos, melhor compositor do milênio. E isso tudo nos tempos áureos e semi-áureos. Na era da decadência, se é que se pode chamar a fase pós-Beatles assim, virou empresário. Produtor musical. Cinematográfico. Ativista dos direitos dos animais. Montou outra banda, a qual muita gente (gente de sorte), desconhece. O Wings. Lançou biografia, como todo o indivíduo que se considera importante. A diferença é que ele realmente foi. De resumo dos feitos, o cara detém os direitos autorais de mais de três mil músicas e é, declaradamente, dono de 670 milhões de libras. Dava para comprar um país sub-desenvolvido, Paul. Ou, já que o hobby é salvar os animais, montar uma arca do Paul e começar um outro planeta.
 
Acontece que, com 70 anos, o Paul não consegue reconhecer que, nessa fase super-pós-Beatles, a luz de emergência acendeu e está que indica a porta de saída. Da frente, por óbvio. Mas a seta está lá, e vai continuar lá, independentemente da medida de disposição, das aplicações de botox e dos milhões de libras. Não se pode ignorar. A hora de parar chega para todos. Ou melhor: hora de mudar.
 
E esse tipo de mudança não significa, necessariamente, aposentar total e definitivamente as chuteiras. Significa aceitar que os tempos são outros, que se é outro. Significa dar uma chance, se não para os outros, para outras coisas e, principalmente, para si próprio. O Paul podia, então, passar o dia jogando golf, aprendendo a tocar o trompete, dando aula de baixo para órfãos ingleses. Ele podia constituir uma fundação fosse lá do que bem entendesse, dormir depois do almoço, desvendar os mistérios do ponto cruz para agradar a esposa, ser ainda mais ativista de causas outras tão importantes. Montar uma estrutura offshore de blindagem patrimonial, passar mais tempo com os netos, com os cachorros, tomar chá com a rainha e dar pitaco nos mais diversos international affairs. Se dar a chance do novo, também relevante e justo e, de quebra, seguir a seta e sair pela porta como o cara que nunca precisou de uma Gibson ou de uma Les Paul para fazer bons riffles para os Beatles.

Queria eu poder dizer ao Paul para guardar as primeiras edições da vida na prateleira e se acostumar com o diferente. Se permitir. Aproveitar o fato de que hoje, ele pode gostar de tudo aquilo que precisamos de 60, 70 anos de vida para gostar. Literatura russa. Política histórica. Filhos. Netos. Jazz.

De fim de história, deixei de comprar os ingressos, sim. Mas não por achar o Paul de 70 anos e tintura no cabelo uncool. Não. De dentadura ou não, o cara tem talento para dar e vender. Foi para dar ao meu pai a chance que o Paul decidiu não se dar. Que dos Beatles, os dois tiraram tudo aquilo que podiam quando tinham seus 20 anos. E a verdade, doída, é que o Paul, também para o meu pai, não é mais um cara tão bacana.

2 comentários:

  1. O mesmo raciocínio se aplica ao Bono e ao show do U2 que provavelmente acontecerá em SP no próximo abril (mês de aniversário do meu papi)? Tinha pensado que ia dar um presente bacana... Agora, a Srta. me deve sugestões de presentes. O que comprou? Beijos, lindona!

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  2. Mari, o Bono é um pouco diferente. Hoje, é mais ativista que cantor, ou empresário.E seu pai, diferente do meu, se permite. Então, analogias aside, se ele for se divertir, não há o que pensar. [Ainda não comprei. O novo nem sempre é fácil, principalmente para um camarada que já viu de tudo nessa vida]. Beijos!

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